Resumo
Os investidores do mercado de ações podem solicitar indenização de até R$ 70 mil por erros cometidos por corretoras ou agentes independentes.
Quem investe na bolsa certamente já ouviu falar de pessoas que perderam ou deixaram de ganhar dinheiro não por crises econômicas ou oscilações naturais do mercado, mas por erros cometidos por intermediários, como corretores e agentes independentes. São erros na execução de ordens, falhas técnicas ou mesmo na execução de ordens não solicitadas que podem causar prejuízos aos investidores.
Estes incidentes são raros, com menos de 200 reclamações formais registadas por ano desde 2008. No entanto, quando ocorrem, podem resultar em perturbações financeiras significativas para o investidor. Embora as operações em bolsa não tenham garantias semelhantes às dos depósitos bancários, existem mecanismos para compensar perdas causadas por erros de intermediação. Isso é possível por meio do Mecanismo de Reembolso de Perdas (MRP), administrado pela BM&FBovespa Supervisão de Mercados (BSM), que funciona como um “Fundo Garantidor” de ações.
Nos últimos 10 anos, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acompanhou diversas corretoras que enfrentaram dificuldades financeiras e falências. Um dos casos mais notórios foi o da Gradual Corretora, que entrou em liquidação judicial em 2018 após ser acusada de má gestão e falhas em seus controles internos, que afetou cerca de 60 mil clientes com R$ 7 bilhões custodiados. A CVM e o MRP garantiram que os investidores afetados pudessem transferir seus investimentos para outras corretoras e solicitar reembolso dentro do limite estabelecido.
O mecanismo de compensação de perdas
Como já dissemos, o MRP é um mecanismo destinado a garantir a compensação de perdas causadas por falhas de corretores ou agentes independentes. Oferece proteção até o limite de R$ 70 mil por ocorrência, valor equivalente ao garantido pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) para depósitos em bancos. Entre os casos abrangidos pelo MRP estão a execução incorreta de ordens de compra e venda, apropriação indébita de bens e até liquidação judicial da corretora.
O MRP é acionado quando o investidor consegue demonstrar o prejuízo causado por erro da corretora ou má conduta do agente, como aconteceu com a TOV Corretora, que foi liquidada após uma série de irregularidades apontadas pela CVM. Os investidores que tiveram problemas com a empresa também recorreram ao MRP em busca de compensação por perdas por má gestão e falha na execução de ordens de compra e venda de ativos.
Esses casos reforçam a importância do MRP na proteção dos investidores contra perdas causadas por corretoras falidas ou operações irregulares. A seguir, confira algumas das principais situações em que os investidores podem recorrer ao mecanismo.
Situações em que é possível solicitar reembolso
• Execução infiel ou não execução de ordens: Caso a corretora execute uma ordem diferente da solicitada pelo investidor ou não execute a ordem em tempo hábil, o prejuízo poderá ser reembolsado. Por exemplo, se o investidor ordenou a compra do ativo A, mas a corretora originadora registra a compra do ativo B, ele pode reclamar o valor correspondente à transação incorreta.
• Uso indevido de dinheiro ou ativos: Quando a corretora utiliza dinheiro ou ativos do cliente sem autorização, como para cobrir falha em outra transação, ela pode reembolsar o prejuízo gerado. Um exemplo clássico é quando uma corretora usa as ações de um cliente para cobrir um problema de liquidação de outro cliente, impedindo-o de vender as ações e obter lucro.
• Falhas técnicas que impedem operações: Caso o investidor não consiga realizar uma negociação devido a uma falha no sistema da corretora e isso resulte em prejuízo financeiro, ele poderá solicitar uma indenização. Isso ocorre, por exemplo, quando há instabilidade na corretora fonte e o investidor não consegue vender suas ações a tempo de se beneficiar de uma valorização.
• Gestão irregular de carteira por agentes independentes: Os agentes independentes não estão autorizados a administrar carteiras de clientes. Caso um agente realize operações sem o consentimento do investidor, causando prejuízo, o cliente pode reclamar uma indenização. Porém, se houver evidência de que o investidor conhecia e consentiu com as transações, o MRP não cobrirá o prejuízo.
• Rotação excessiva do portfólio: Caso uma corretora independente realize uma série de negociações não autorizadas para aumentar o volume de negociação, resultando em prejuízo para o cliente, é possível solicitar indenização. Esse tipo de prática, conhecida como “churning”, visa aumentar as comissões de intermediação sem considerar os interesses do investidor.
• Utilização de conta margem sem autorização: Caso a corretora ou agente independente utilize a conta margem do cliente sem autorização, gerando prejuízo, o investidor poderá solicitar indenização. Conta margem é uma linha de crédito fornecida pela corretora para a compra de ativos patrimoniais, que pode resultar em perdas significativas se utilizada sem o consentimento do cliente.
• Liquidação de intermediários: Em caso de liquidação judicial da corretora, o investidor tem direito à restituição de até R$ 70 mil em bens ou dinheiro custodiados na corretora.
Como posso solicitar um reembolso?
Quando o investidor se depara com uma situação que pode levar ao reembolso no âmbito do MRP, é importante seguir alguns passos para garantir que a reclamação seja devidamente formalizada:
• Verificação constante de extratos: Os investidores deverão revisar periodicamente as notas de corretagem e os Avisos de Negociação de Ações (ANA), enviados pela BM&FBovespa, para detectar possíveis irregularidades nas operações.
• Contato inicial com o corretor: O primeiro passo para identificar uma falha é entrar em contato com o suporte da corretora, seja através do atendimento ou da ouvidoria. Muitas vezes o problema pode ser resolvido diretamente com a instituição.
• Ative o BSM em casos não resolvidos: Caso a corretora não resolva a questão, o investidor deverá entrar em contato com a BSM e registrar uma reclamação formal no MRP, detalhando o ocorrido e o prejuízo sofrido.
A reclamação deverá ser formalizada por escrito e apresentada no prazo de 18 meses após a ocorrência do problema. O documento deve incluir: nome da corretora e dos envolvidos no erro; descrição detalhada do evento, com datas e horários; valor do incidente, limitado a R$ 70 mil por evento; e provas documentais do ocorrido (notas de corretagem, extratos, entre outros).
Além disso, é necessário anexar cópias autenticadas dos documentos pessoais e comprovante de residência. Todos os materiais deverão ser enviados por correio para os endereços da BSM.
Perder dinheiro na bolsa por erros cometidos por corretores ou agentes independentes é uma situação estressante, mas o investidor não fica desprotegido. O MRP fornece uma importante rede de segurança para aqueles que sofrem perdas resultantes de falhas e má conduta de intermediários. Portanto, ao identificar alguma irregularidade, é fundamental agir rapidamente, buscar indenização e garantir que a corretora cumpra seu papel com transparência e eficiência.
Cássio Krupinsk é CEO da BlockBR, fintech especializada na construção de infraestrutura que possibilite a migração para tokenização.
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