Durante a última semana, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, paralisou as redes com seu comunicado sobre o fim do programa de verificação de dados nas plataformas da empresa, como Facebook e Instagram. Embora essa “parada” tenha tido um sentido simbólico, agora pode ser literal no Brasil, como justificou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que não aceitaria tal medida no país. a decisão afirma que os verificadores de factos se tornaram politicamente tendenciosos, conduzindo a censura excessiva e a erros. O executivo também criticou a existência de “tribunais secretos” na América Latina que, segundo ele, ordenam a eliminação silenciosa de conteúdos em plataformas digitais.
Em resposta, o ministro enfatizou que as empresas de tecnologia devem cumprir as leis locais para operar no Brasil. Essa afirmação sugere que, apesar das mudanças anunciadas pela Meta, a empresa ainda é obrigada a seguir as regulamentações brasileiras relacionadas à moderação de conteúdo e ao combate à desinformação se quiser operar no país.
Sabemos que esta posição não é um blefe, como vimos no dia 30 de agosto de 2024, quando foi determinada a suspensão imediata da rede social X (antigo Twitter) no Brasil. A decisão foi motivada pelo reiterado descumprimento de ordens judiciais que exigiam a remoção de conteúdos considerados pouco informativos e prejudiciais à democracia. Além de bloquear a plataforma, Moraes determinou o congelamento das contas bancárias da empresa no país e estabeleceu multas para quem tentasse driblar a suspensão por meio de redes privadas virtuais (VPN).
Após 39 dias de bloqueio, em 8 de outubro de 2024, Moraes autorizou o retorno das atividades na rede social X no Brasil. A decisão ocorreu após a empresa cumprir ordens judiciais, incluindo o pagamento de multas no valor de R$ 28,6 milhões, a remoção de contas que difundiam desinformação e a nomeação de um representante legal no país.
Apesar da inquietação geral que esta postura firme do STF possa causar, é fundamental garantir que as plataformas digitais operem de acordo com as leis brasileiras, com o objetivo de combater a desinformação e proteger a integridade do processo democrático. Mas o que exatamente isso implicaria?
Para o Brasil
A ausência de redes sociais Meta no Brasil teria impactos profundos, tanto internamente quanto na geopolítica global. A internacionalista Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM-SP, destaca que essa questão deve ser analisada sob duas perspectivas principais: a econômica e a geopolítica.
No plano econômico, redes como Facebook, Instagram e WhatsApp desempenham papel fundamental nas estratégias de comunicação e marketing digital das empresas brasileiras. “Na verdade, têm forte impacto nas empresas e nos consumidores, sendo fundamentais para a apresentação, comunicação e estratégias comerciais”, explica Holzhacker. A suspensão destas plataformas causaria perdas financeiras imediatas e obrigaria as empresas a adaptarem-se rapidamente a alternativas como Telegram, TikTok ou outras redes. Mesmo que esta transição fosse possível, geraria custos e reestruturações significativos.
Geopoliticamente, a saída de Meta colocaria o Brasil numa posição delicada, especialmente nas relações com os Estados Unidos. Holzhacker destaca que o governo norte-americano, especialmente em administrações como a de Donald Trump, tende a reagir fortemente a medidas percebidas como ameaças às grandes tecnologias. “O banimento da Meta no Brasil atrairia uma pressão muito maior do que a observada no caso da suspensão do X, dado o peso econômico e político da empresa e sua relevância estratégica para os Estados Unidos”, analisa o especialista. Nesse cenário, o Brasil poderá enfrentar críticas por censura e limitações à liberdade de expressão, tanto interna quanto externamente.
Ao mesmo tempo, o caso brasileiro deve ser contextualizado dentro de uma tendência global de questionamento do poder das grandes plataformas digitais. Países como a China e a Rússia já baniram o Meta por razões de segurança nacional ou controlo político, enquanto outros, como a Índia, implementaram regulamentações rigorosas em plataformas como o TikTok. Segundo Holzhacker, a posição do Brasil reflete um alinhamento com a Europa na busca por regulamentações mais rígidas. “O Brasil tem defendido a necessidade de controles mais fortes e de uma discussão sobre o monopólio que essas plataformas exercem no marketing digital e na divulgação de informações”, acrescenta.
Contudo, a suspensão das redes Meta não ocorreria sem contratempos. Holzhacker lembra que as plataformas digitais são parte essencial das cadeias de consumo e importação, o que pode impactar o comércio local e internacional. Ao mesmo tempo, a crescente concorrência de redes como o TikTok já reduziu a hegemonia do Meta em determinados setores, sugerindo que os efeitos de uma proibição podem ser parcialmente atenuados através da migração para alternativas disponíveis.
No longo prazo, a ausência de Metaplataformas abriria espaço para o fortalecimento de soluções nacionais ou regionais, contribuindo para uma maior soberania digital. No entanto, o Brasil precisaria equilibrar esse movimento com as repercussões internacionais e a necessidade de manter a competitividade global. Neste sentido, o país não estaria apenas a responder às exigências internas, mas também a moldar a sua posição num debate global sobre os limites do poder das big tech, da liberdade de expressão e dos direitos digitais. Como afirma Holzhacker, “o Brasil está alinhado com uma visão que busca maior regulamentação, mas também precisa enfrentar as críticas à censura e à pressão internacional”.
Para brasileiros
O impacto também seria significativo para a população. Segundo pesquisa da Electronics Hub, publicada em abril do ano passado, os brasileiros passam, em média, cerca de 9 horas por dia em frente às telas de smartphones e computadores, o que representa aproximadamente 56,6% do tempo que ficam acordados. Durante a suspensão do X (antigo Twitter) no Brasil, o economista Paulo Rabello de Castro estimou um impacto econômico de R$ 10 bilhões no primeiro ano e de R$ 18 bilhões em cinco anos. Considerando que as plataformas da Meta possuem base de usuários e nível de participação substancialmente maiores no Brasil, é possível inferir que a suspensão dessas redes resultaria em perdas econômicas ainda mais significativas.
Segundo estudo do Outlook Marketing e Vendas 2024, realizado pela RD Station, cerca de 112 milhões de usuários brasileiros usam o Facebook, colocando o país como o quarto maior número de usuários do mundo. No Instagram, aproximadamente 113,5 milhões de brasileiros estão ativos na plataforma, atingindo 62% da população total no início de 2024. Quanto ao WhatsApp, contamos com a adesão de mais de 96% da população brasileira, consolidando-se como uma ferramenta essencial . para comunicação.
Além dos números
Mas o problema vai além dos números. A ausência de redes não só interferiria na economia digital brasileira, que é robusta e com um número significativo de profissionais dependentes das plataformas, mas teria graves consequências psicossociais.
Segundo Ana Bárbara Neves, psicóloga clínica, mestre em Análise do Comportamento pela University of North Texas e doutoranda em Psicologia Social e do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia, a ausência dessas redes sociais pode gerar sentimentos de isolamento, ansiedade e desatualização. , efeitos já observados durante o bloqueio da rede “X” em 2024. Ana explica que esse desligamento forçado deve até ser uma oportunidade para repensar o modelo de negócios das empresas de tecnologia, que se baseia na captação contínua de atenção e na coleta de dados pessoais. “Repensar os motivos e consequências de tais bloqueios destaca a importância de regulamentações que promovam maior transparência, proteção de dados e respeito à privacidade, além de estimular um uso mais consciente e humanizado das redes sociais. Isto contribui para fortalecer as democracias e garantir que os ambientes digitais sejam mais justos e inclusivos, onde a tecnologia serve o bem público e não apenas os interesses económicos privados”, explica.
Redes sociais como a Meta utilizam design persuasivo para maximizar o engajamento, o que pode criar dependência emocional nos usuários e tornar desconfortável a ausência dessas plataformas. No curto prazo, a interrupção das redes sociais pode levar à ansiedade, frustração e desconexão social, enquanto no longo prazo pode levar a uma reflexão mais profunda sobre o impacto das redes na saúde mental e nas relações interpessoais. Para Ana Neves, esta experiência pode incentivar um uso mais consciente e ético das redes sociais, além de fortalecer as discussões sobre como equilibrar a inovação tecnológica e a preservação dos direitos fundamentais.
Embora o Brasil seja um dos países com maior tempo médio de utilização das redes sociais, Neves destaca que isso reflete mais um aspecto cultural e econômico do que uma dependência clínica. O uso intensivo das redes sociais está ligado à espetacularização das experiências pessoais e à falta de alternativas de lazer acessíveis. “Na maioria das pessoas há mais um reflexo de aspectos culturais, como o fenómeno da espetacularização das experiências pessoais, onde a imagem e a performance ganham centralidade. Além disso, fatores económicos, como a desigualdade no acesso a espaços de lazer e educação de qualidade, contribuem para o uso intensivo das redes como forma de entretenimento acessível e comunicação social”, destaca.
Questionada online sobre a relação entre dependência e abstinência, a psicóloga explica que qualquer hábito pode ser mudado. Na ausência dessas plataformas, as pessoas podem sentir sintomas como tédio, inquietação e desejo de acompanhar, o que é mais um reflexo de hábitos arraigados do que de vício. “A ausência pode incluir sentimentos como tédio, inquietação ou vontade de acompanhar. Estas reações refletem a centralidade que as plataformas digitais ocupam na vida quotidiana, especialmente no acesso à informação e nas ligações sociais. A forma como a tecnologia é concebida para captar a atenção sustentada intensifica esta percepção, mas perdê-la não significa necessariamente dependência. “Muitas vezes é uma adaptação natural ao deslocamento de hábitos enraizados no uso diário das redes”, conclui.
Por outro lado, desconectar-se das redes pode trazer benefícios psicológicos, como melhorar a concentração, a clareza mental e a qualidade das interações interpessoais. Segundo a psicóloga, práticas que equilibrem o uso da tecnologia com atividades presenciais, incentivadas pela Lei 14.533/2023, podem promover um bem-estar mais sustentável e uma relação mais ética com o mundo digital. Assim, mesmo diante dos impactos negativos iniciais, o profissional vê a interrupção das redes sociais como uma oportunidade de transformação positiva.