Os métodos policiais precisam seguir regras razoáveis. Nas últimas semanas, o país testemunhou incidentes que expuseram violações, abusos, práticas ilícitas ou, pelo menos, o despreparo dos responsáveis pela aplicação da lei na sua missão de proteger cidadãos inocentes e desarmados. No último caso, uma mulher de 26 anos foi baleada na cabeça quando policiais de trânsito a abordaram enquanto ela ia com a família para a ceia de Natal.
No mesmo dia, o Ministério da Justiça e Segurança Pública publicou decreto estabelecendo as regras de atendimento policial. Entre as suas principais diretrizes, afirma que os agentes só poderão recorrer à força “quando outros recursos menos intensivos não forem suficientes”. As armas de fogo devem ser um “último recurso” e não podem ser utilizadas contra uma pessoa desarmada, mesmo fugitiva, ou contra veículos que não respeitem as barreiras rodoviárias. O decreto também estabelece que o nível de força deve corresponder à ameaça. Espera-se que o governo forneça treinamento para profissionais de segurança. Todos devem participar de treinamento obrigatório. O Ministério da Justiça criará um comitê nacional para monitorar o uso da força, responsável por monitorar indicadores nas ações policiais.
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A véspera das comemorações de fim de ano provavelmente não era o momento de publicar o decreto. No caso de medidas envolvendo tema delicado de segurança pública, que é missão constitucional dos estados, o assunto deveria ter sido amplamente discutido com os governadores, o Congresso e a sociedade. Mas a sequência de acontecimentos trágicos suscita um debate maduro sobre os limites do uso da força. Essa discussão ainda pode ser feita de forma detalhada, pois a portaria ainda precisa ser regulamentada.
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O medo dos conservadores de estagnação no trabalho policial é lógico, numa altura em que o país atravessa uma grave crise de segurança. As regras do decreto federal não são obrigatórias, mas os estados que recebem recursos da segurança pública e fundos penitenciários precisarão segui-las, e isso impõe o cumprimento na prática. O governador do Rio, Claudio Castro, classificou a ordem como ridícula e prometeu entrar com recurso no Supremo Tribunal Federal para impedi-la. O governador do estado de Goiás, Ronaldo Caedo (União), disse que foi um “presente de Natal” para o crime organizado. No Conselho, os parlamentares das bancadas já começaram a agir para impedir isso. Sem consenso, a tendência é aumentar a resistência. Assim como Castro culpa as restrições das Forças Especiais às operações nas favelas pelos índices de violência no Rio, os conservadores acabarão por culpar as novas regras por qualquer deterioração na situação de segurança.
É essencial que o decreto não conduza à inacção da polícia, que deve gozar de independência na luta contra a violência. Mas também é essencial que estes métodos sejam aplicados de uma forma que proteja pessoas inocentes. As últimas ações vão muito além da lei e do bom senso. Atirar alguém de uma ponte ou atirar em um garoto desarmado à queima-roupa são ações que deveriam, no mínimo, levar em consideração o treinamento do agente e as técnicas de abordagem. Não se trata de casos esporádicos ou localizados, como atestam as taxas de mortalidade policial. Não deveria haver qualquer contaminação política em tal questão. É de natureza técnica e deve ser regido pelo bom senso. O papel da polícia é proteger os cidadãos e não atacá-los.