Há 28 anos, a cardiologista pediátrica Rosa Celia Pimentel Barbosa fundou o Pró Criança Cardiac, uma fundação médica sem fins lucrativos localizada no Rio de Janeiro, dedicada a cuidar de crianças carentes com problemas cardíacos. Em 2014, inaugurou um projeto ainda mais ambicioso: o Hospital Pediátrico Jota Battista. O local foi criado para atender as crianças do projeto, que ficaram sem atendimento devido a cirurgias e procedimentos complexos, após o fechamento do Serviço de Pediatria do Hospital Pró-Cardático, em Botafogo.
- Whey é uma farsa? Especialistas explicam os prós e contras do produto
- Novas respostas do estudo: Quantos minutos de exercício preciso para perder peso?
Em 2019, a Rede D’Or assumiu a gestão do local, mantendo e ampliando o atendimento gratuito às crianças do projeto. Desde a fundação do Centro Cardíaco Pró Criança, em 1996, o centro já realizou 40.433 consultas cardiológicas, 1.294 cirurgias cardíacas, 547 cateterismos e 38 ablações. Este ano, o projeto foi novamente reconhecido como uma das 100 Melhores ONGs.
Em entrevista à Globo, Rosa Celia, pioneira no uso do cateterismo cardíaco em crianças no Brasil, fala sobre a criação do hospital, os problemas cardíacos mais comuns em crianças e a importância de diagnosticar e tratar essas crianças na idade adulta.
Quais são os principais desenvolvimentos em doenças cardíacas pediátricas nos últimos anos?
O cateterismo foi um grande avanço. Inicialmente, era utilizado apenas para diagnóstico e depois passou a ser utilizado também como tratamento. Como ferramenta diagnóstica, permite fazer um diagnóstico preciso quando exames menos invasivos não são suficientes. No campo terapêutico, possibilita a realização de intervenções sem necessidade de cirurgia aberta, o que reduz as taxas de morbidade, o tempo de internação e melhora a recuperação.
Qual o impacto de cuidar do coração de uma criança na vida de um adulto?
Isso muda completamente a vida da criança. Dependendo da condição médica, essas crianças não podem praticar atividades físicas, por exemplo. Algumas pessoas só conseguem fazer atividades físicas de intensidade leve e temos que explicar para a criança que elas não podem fazer isso. Além disso, devem ser acompanhados ao longo da vida, inclusive na idade adulta, por um especialista que entenda de cardiopatias congênitas, e nem todos os cardiologistas adultos têm esse conhecimento. Aí a gente costuma fazer um laudo e mandar para um médico especialista.
O colesterol alto é algo com que se preocupar na infância?
Cada criança atendida na clínica é submetida rotineiramente a um exame de sangue completo. Quando ela apresenta níveis elevados de colesterol, triglicerídeos ou glicose, avisamos a família e repetimos o exame após três a quatro meses. Se percebermos que a criança está começando a ter sobrepeso ou obesidade, também avisamos a família porque eles não são responsáveis, alguém é responsável por eles. Quando você cuida da criança, você também tem que cuidar da família. Se a criança não melhorar, encaminhamos para um especialista.
Quais são os problemas cardíacos mais importantes que afetam as crianças?
Os defeitos cardíacos são uma das formas mais comuns de malformações congênitas no nascimento. De cada 100 bebês nascidos vivos, um sofre de doença cardíaca congênita. Algumas podem ser muito graves à nascença, necessitando de intervenção urgente, enquanto outras só podem ser monitorizadas ao longo da vida.
Como essas condições são diagnosticadas?
Estas crianças devem receber um diagnóstico precoce, que é cada vez melhor porque existe a possibilidade de realizar um ecocardiograma fetal, que permite diagnosticar algumas doenças do músculo cardíaco ainda no útero materno. Dependendo do caso, nós realmente orientamos o que a gestante deve fazer e até onde o bebê vai nascer porque podem ser necessárias intervenções logo após o nascimento e o hospital precisa dessa estrutura. Quando a doença cardíaca não é identificada no útero, as manifestações clínicas variam dependendo da doença e da sua gravidade. Os sintomas incluem respiração rápida, baixo nível de oxigênio e forte dor no peito. Quando o paciente chega ao ambulatório, são realizados uma consulta clínica, um eletrocardiograma, um ecocardiograma e, se necessário, um monitor Holter, além de exames complementares como ressonância magnética, tomografia computadorizada e até cateterismo cardíaco.
Quando o cateterismo é indicado?
O cateterismo pode auxiliar no diagnóstico, quando uma conclusão não pode ser alcançada com exames menos invasivos, como a tomografia computadorizada. Existe também um cateter terapêutico, que é usado para fechar uma comunicação interatrial, fechar o canal arterial, abrir a válvula pulmonar ou abrir a válvula aórtica. Isto é muito importante e muito menos invasivo que a cirurgia.
Como são tratadas as crianças com cardiopatia congênita?
O diagnóstico precoce, bem como o acompanhamento em local especializado, permite maior sobrevida e melhoria da qualidade de vida dessas crianças. Alguns passam por um período de medicação até serem submetidos a uma cirurgia, e outros precisam ser operados assim que nascem. Mas é importante que sejam acompanhados desde crianças. Hoje, por exemplo, tratei uma criança de seis meses com um problema cardíaco que pode ser monitorado clinicamente porque seu efeito na comunicação interatrial pode estabilizar, aumentar ou diminuir.
Quando é indicado um transplante?
O transplante de coração é a última opção. Só é indicada quando não pode ser resolvida com cirurgia ou cateterismo.
De onde surgiu a ideia de fundar o Hospital Infantil Jota Battista?
Cuidei das crianças no ambulatório, fiz todo o acompanhamento, mas após o fechamento do Serviço de Pediatria do Hospital Pró-Cardíaco, de Botafogo, onde eram atendidas, não tive local para operá-las. Até 2008, em frente a esse hospital, vi que tinha um prédio vazio e velho. Descobri que o dono era o mesmo da minha clínica e conversei com ele sobre a compra do espaço porque queria transformá-lo em hospital. Fui o construtor e coordenador de toda a construção. Enquanto eu conversava com os doadores, um deles me disse que iria assinar o primeiro cheque. Então comprei o lugar e começamos a fazer shows e eventos beneficentes, como o do cantor Roberto Carlos, para arrecadar dinheiro. Construímos sete andares e construímos esse hospital maravilhoso, que foi concluído em 2014. Foi projetado com equipamento circulatório, que permite o mínimo de intervenções cirúrgicas, e é considerado referência em pediatria no Rio de Janeiro. Todo mundo que vai ao hospital diz que recebe muito cuidado. Em 2019, foi alugado para a Rede D’Or, mas há acordo para que o atendimento infantil continue no Pró Criança Cardíaco. Isso foi muito bom para sustentar o serviço.