Não há linha de chegada sem meio caminho. Esta afirmação pode parecer óbvia, mas cruzar a linha entre o início e o fim da jornada parece igualmente desafiador e encorajador: é, afinal, uma área que define o futuro. Chegar à metade da década, como faremos na virada de terça (31) para quarta (1), nos leva a um novo ciclo cheio de simbolismo. O que fazemos com um período que começou de forma tão cansativa, com pandemias, guerras e crise climática? Antes de tomar qualquer atitude, respire fundo e mantenha a calma. Há boas notícias no horizonte, e o melhor é que ainda há tempo para mudar o rumo de como a década de 2020 é lembrada na história.
Vamos começar com um exemplo prático. Pense em um corredor de maratona e em seus objetivos. Para atingir as metas será necessário um planejamento detalhado, como nos ensinou a médica e corredora Fernanda Bonanni. Ela lembra que o primeiro é sobre distância: se você correr dez quilômetros à frente, precisará voltar imediatamente. “O que mais vejo entre os iniciantes é a pessoa que percorre a distância exigida e, quando chega ao final, fica nesta posição: ‘Meu Deus, e agora?’ Como faço para voltar?”
Quando o ponto médio é alcançado conscientemente, torna-se um ponto agradável no processo. “Você já está no ritmo, encontrou o seu lugar, está com a cabeça no lugar e se sente confortável”, diz ele. “O intervalo já é uma vitória. É uma conquista em relação a ontem e assim por diante.
Por exemplo, Fernanda alcançou uma de suas maiores conquistas neste ano, correndo a Maratona de Paris de 42,2 km em 3:30:06 segundos. Cruzar a linha de chegada desta forma a qualificou para um desafio ainda maior: a Maratona de Boston, um sonho antigo que se tornará realidade em 2025, após sete anos de preparação. “É um unicórnio nas corridas. Tenho até medo de não ter nenhum propósito na vida depois de terminá-lo.” “Mas sei que acharei outras corridas emocionantes.”
A classificação por Paris foi alcançada justamente quando Fernanda completou quarenta anos, o que nos remete a outra ideia de meio caminho, ou seja, metade da vida. É aí que entra uma estatística: as projeções do IBGE, calculadas com base no censo de 2022, mostram que a expectativa média de vida das mulheres brasileiras é de 79,7 anos (para os homens, 73,1 anos).
O poeta Fabrício Carpiniar mergulhou nas dores e alegrias dessa faixa etária para escrever seu último livro, “Se eu soubesse: para maiores de 40 anos” (Bertrand Brasil). A obra fala da possibilidade de evoluirmos em paz e serenidade, aceitando nossas versões passadas que nos trouxeram até aqui. Desta viagem entre as possibilidades do passado, presente e futuro, ele vem com comentários acolhedores. “A outra metade da vida pode ser melhor. Livrei-me de muitos estigmas, truques e condicionamentos”, alerta.
Nesse ponto, o autor explica que as pessoas também tendem a vivenciar um amor verdadeiramente obsessivo e romântico. Portanto, estão dispostos a preferir a paz na esfera das emoções. “Você quer, acima de tudo, espaço, liberdade e independência. Você vai perceber que ninguém muda ninguém. Você começa a viver mais leve, com menos culpa e autopiedade.
A historiadora Marissa Gorberg Stamboski observa que contar o tempo em décadas é uma forma de organizar os fenômenos. “Isso nos ajuda a compreender os acontecimentos, mesmo sabendo que eles não acontecem com esse nível de precisão”, reflete. Da mesma forma, ela reconhece que a distância histórica será necessária para descrever as características distintivas deste intervalo de tempo. Mas não se pode negar que começámos com uma pandemia e caímos em guerras sangrentas. Ainda há negação dos fenômenos climáticos.”
Muitos infortúnios, segundo Marisa, trazem sentimentos de incerteza, a tal ponto que “não temos nenhuma certeza sobre o futuro”. Porém, é possível acreditar que nem tudo está perdido. Mais do que nunca, discutimos temas aos quais não havíamos dedicado a mesma atenção. Ele ressalta que “houve progresso nas lutas antirracistas e antihomofobia e no movimento feminista”.
Como o assunto é tempo, tudo indica que estamos mais próximos do limite, em termos de velocidade, segundo mapa de tendências realizado pela consultoria Timelens, a pedido da Revista ELA. “Com a tecnologia digital, tudo ficou mais rápido, mais acessível e, paradoxalmente, mais caótico”, afirma Isabelle Mussato, diretora de estratégia da empresa. “Um novo relacionamento foi criado com paciência e expectativa, sempre buscando agilizar os processos.”
Um excelente exemplo disso é a forma como os brasileiros tratam seus corpos. Nos últimos cinco anos, houve um aumento de 4.700% nas buscas por “dieta para perder 5 quilos em sete dias” no Google, segundo a consultoria. Não é por acaso que as pesquisas pelo “Ozempic”, medicamento criado para tratar diabetes e que começou a ser utilizado para esse fim, superam em 50% as pesquisas realizadas por… nutricionistas.
A explicação para esse desabafo vem de uma mistura conflitante de emoções mencionadas pelos brasileiros nas redes ao longo de 2024: gratidão (21,25% das citações), felicidade (14,72%), ansiedade (13,61%) e raiva (13,28%). No topo. A “fricção” é forte o suficiente para nos manter acordados à noite. O Google recebeu cerca de 29 milhões de pesquisas por “pílulas para dormir” nos últimos cinco anos. Mais uma vez, as “soluções milagrosas” estão entre as mais procuradas na hora de resolver um problema. As pesquisas por “medicamentos de venda livre” aumentaram 1.450% na primeira metade da década. “Eu diria que escapar do processo é a doença do século”, prevê Renato Dolce, sócio e gerente de dados da Timelens. “Somos obcecados por atalhos e caminhos mais curtos.”
Porém, esperar por fórmulas mágicas parece mais uma perda de tempo. Talvez seja melhor recorrer a conhecimentos mais antigos, sugere o psiquiatra Daniel Martins de Barros, professor associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade do Pacífico Sul e médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Em seu livro Viver Melhor Sem Ter que Ser Melhor (Sextante), ele revisita os princípios do Arcadismo, escola literária do século XVII famosa por frases como “Carpe diem” (Aproveite o dia) e “Aurea mediocritas” (Mediação do ouro) referir-se a Às formas de lidar com os dilemas contemporâneos.
A ideia surgiu ao pensarmos em quão central é a valorização da vitória em nossas vidas. “Isso traz muitas consequências, como a busca excessiva pela alta performance e o aumento do esgotamento”, afirma. “É esmagador e as pessoas não conseguem lidar com a situação. Acham que precisam de medicamentos, que têm uma doença. Mas, na realidade, é apenas um excesso”.
Quem presta atenção aos sinais, segundo o psiquiatra, já percebe que o caminho a seguir é tirar o pé do acelerador. Talvez, devido ao impacto da pandemia, tenhamos nos tornado mais conscientes do quanto ela é passageira, do quanto estamos aqui apenas de passagem e nada está garantido. “Você não ficará feliz apenas se conseguir a medalha de ouro.”
Se chegamos até aqui, não seria uma má ideia deixar alguns links para facilitar o resto da caminhada. Tal como preconiza o Arcadismo, o princípio da “Inutilia truncat” (“Livrar-se do inútil”) é fundamental.