“Não acredito que ele está indo embora. Ele foi o melhor que já vi enquanto jogava na China.” As palavras do estudante Haiyang Lu nas arquibancadas do Estádio de Wenzhou refletiram o sentimento de grande parte dos torcedores do Shanghai Port sobre a saída do meio-campista Oscar do time, após oito temporadas em que defendeu o clube asiático. Confirmado como novo reforço do São Paulo, Oscar, aos 33 anos, encerrou a carreira na China com cinco títulos, uma legião de torcedores e a fama de jogador mais valioso da história do país.
Para muitos, a saída de Oscar encerra definitivamente uma era em que a China era o padrão ouro do futebol, atraindo jogadores e treinadores de destaque como Hulk, Tevez, Drogba, Luiz Felipe Scolari e Vanderlei Luxemburgo. Tudo mudou em 2020, quando a pandemia e a imposição de um teto salarial aos jogadores se combinaram para dar ao futebol chinês um choque de realidade.
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Oscar ficou como o último vestígio daquela era de gastos ilimitados. Seu passe foi vendido em 2017 pelo Chelsea por US$ 63 milhões (R$ 421 milhões na cotação atual), a transferência mais cara do futebol chinês até hoje. O salário também foi recorde: US$ 25 milhões por ano (R$ 169 milhões). Suas duas últimas partidas no país, acompanhadas pela Globo segundo a reportagem, foram cheias de emoções para o meio-campista, que não poderia ter tido maior sucesso em sua temporada de despedida com a camisa vermelha.
Sob sua liderança, a equipe terminou o ano com o campeonato nacional e a Copa da China. Este último tem um sabor especial, na partida final assistida pelo estudante de Wenzhou Haiyang Lu vestindo a camisa 8 do Oscar. Foi a primeira vez que o Shanghai Port conquistou o título, após quatro finais como vice-campeão. Para Oscar, despedir-se carrega um sentimento agridoce, de cumprimento da missão, mas também de tristeza, de deixar a cidade à qual ele e sua família se vincularam muito além do que esperava.
Os três filhos pequenos – o mais velho tem 10 anos e o mais novo 8 1/2 – falam mandarim sem dificuldade. Ele também gerencia o idioma. Foi a vontade de ficar. Mas o término do contrato com a impossibilidade de renovação dos mesmos valores levou ao momento da despedida. A associação com Xangai foi mútua: na fase final, o jogador recebeu a maior homenagem que a cidade concede aos estrangeiros, o Silver Magnolia Award.
Problemas fora de campo no futebol chinês
Em campo, Oscar exerceu uma liderança discreta, mas decisiva. Em sua última partida, no início de dezembro passado, ele marcou um gol no empate em 1 a 1 com o Gwangju, da Coreia do Sul, pela Liga dos Campeões da AFC, convertendo o pênalti que lhe foi concedido. Antes de partir, Oscar admitiu em conversa com O Globo que seu desejo era ficar na China.
– Tive a sorte de vir para Xangai, uma cidade moderna, com tudo relacionado à família, segurança e educação de primeira linha. Entre os melhores do mundo – afirma o jogador que já morou em Londres por cinco anos. -Já que nos ajustamos, eu gostaria de ficar. Mas saio com uma sensação de dever cumprido.
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Ao apito final, os torcedores exigiram ficar, fazendo Oscar chorar. Muitos também choraram nas arquibancadas, lamentando o falecimento do maior craque e líder do time. A atmosfera foi eliminada. As bebidas alcoólicas são proibidas nos estádios e a polícia é rigorosa. Para muitos torcedores, a despedida de Oscar também simboliza o fim do sonho de que o brilho das estrelas estrangeiras pudesse contagiar o futebol chinês. Além das restrições para rolar a bola, não faltaram problemas fora de campo.
Dez dias após a partida de despedida do Oscar, o ex-jogador e técnico da seleção nacional Li Te foi condenado a 20 anos de prisão por aceitar US$ 1 milhão em subornos. Outro grande peixe já caiu na rede: em março, o ex-presidente da Federação Chinesa de Futebol, Chen Xiuyuan, foi condenado à prisão perpétua pelo mesmo crime, mas em maior escala. Para os torcedores do esporte, a saída de Oscar ocorre “em um momento amargo”, diz o jornalista Luis Chow, autor de dois livros sobre o futebol brasileiro.
Quando grandes investimentos começaram a ser investidos no futebol chinês em 2011, trazendo estrelas estrangeiras em montes de ouro, surgiu uma atmosfera de euforia entre os torcedores. Zhao diz que pareceu o início de um grande capítulo para o esporte do país, mas o que restou foi vergonha e tristeza. Segundo ele, Oscar se destacou no futebol chinês não só pelo desempenho em campo, mas pela longevidade e consistência.
— Ele é o último jogador brasileiro importante daquela época. Sua partida é um símbolo do fim – pensa ele.
Mais três ou quatro anos de vida profissional
Além da amargura resultante do declínio do campeonato nacional, a frustração dos torcedores diz respeito à sua seleção, que só se classificou para a Copa do Mundo uma vez, em 2002, quando saiu da primeira fase com três derrotas, uma delas foi . Para o Brasil. Durante seus oito anos no país, Oscar diz ter testemunhado um declínio no padrão dos jogadores chineses: os melhores envelheciam e não havia renovação. Ele acredita que alguns aspectos da cultura ajudam a explicar a dificuldade de desenvolver talentos, como a pressão familiar para que os filhos se dediquem aos estudos, o que leva ao atraso no início do esporte.
A grande questão é como envolver mais crianças como jogadores e não apenas como torcedores, diz o consultor esportivo William Pei, que está escrevendo um livro sobre o futebol chinês. Mas mesmo que haja progresso, é preciso ser realista e levar em conta as diferenças culturais: pensar que a China se tornará uma potência do futebol é como esperar que o Brasil se torne um gigante do tênis de mesa, compara Pei.
Voltando ao futebol brasileiro, Oscar terá que se readaptar a um ritmo muito mais competitivo do que o vivido nos últimos anos. Ele está com boa saúde física, sendo o jogador que mais atuou em seu time este ano, e diz estar pronto. A mudança do Chelsea para Xangai fez com que ele assumisse um papel mais importante. Embora tenha jogado pelo clube inglês “no melhor torneio do mundo”, Oscar diz que era mais requisitado na China, por ser a principal estrela do seu time. As marcações neles eram sempre simples – muitas vezes duplas.
– Você amadureceu, melhorou. Na Premier League, eu lutava boxe e marcava gols, e era rápido. Hoje sou eu quem pensa no jogo, quem faz os passes finais e as análises.
Quando se trata de seleção, Oscar é frequentemente lembrado como o autor do único gol do brasileiro na trágica vitória da Alemanha por 7 a 1 na Copa do Mundo de 2014, e resume isso quando fala sobre a derrota. Se marcar o ‘golo de honra’ não é um consolo, pelo menos, do ponto de vista de Oscar, mostra que a equipa não desistiu até ao final. Embora saiba que o tempo longe do Brasil e a idade estão cobrando seu preço, o meio-campista acredita que ainda pode ser útil à Seleção Brasileira. Da China, mantém contatos com Dorival Junior, a quem considera um “amigo”. Pela forma como está jogando, Oscar acredita que pode brigar por uma vaga no time, pelo qual não joga desde 2015.
— Minha qualidade é um pouco diferente, não há muitas opções no Brasil — avalia a nova promoção paulista, que não pretende parar. – Na minha opinião ainda tenho uns três ou quatro anos para jogar.