Coautores inteligentes, sob seu comando

Coautores inteligentes, sob seu comando


Você não precisa ser um profissional das artes literárias para contar uma história. Com o avanço da inteligência artificial (IA) e o desenvolvimento de modelos de linguagem em larga escala (LLMs, ou Large Language Models), como ChatGPT, Gemini e outros, surgiram ferramentas que auxiliam na geração de descrições. Na verdade, grandes empresas da indústria de jogos, como Ubisoft, Blizzard e Niantic, já começaram a incorporar IA generativa nos seus processos de produção, criando histórias cada vez mais dinâmicas e complexas.

Inspirada nesta revolução, nossa equipe, do departamento de TI da PUC-Rio, decidiu expandir esse conceito para um processo mais profundo de criação narrativa. Combinamos ferramentas computacionais com conceitos literários e criamos o ChatGeppetto, um protótipo de uso aberto que permite a qualquer pessoa criar narrativas em linguagem natural de forma colaborativa, interativa e divertida.

Ao começar a escrever ficção, pode surgir a pergunta: por onde começar? Nosso projeto considera que uma forma eficaz de superar esse obstáculo é inspirar-se em outras obras que você admira. Muitos escritores profissionais buscam inspiração no trabalho de outros escritores. Por exemplo, o filme Batman v Superman: Dawn of Justice (2016) combina os universos dos dois heróis icônicos, enquanto Seven Men and One (1960) emula The Seven Samurai (1954) de Akira Kurosawa no Velho Oeste norte-americano.

Outra técnica é expandir uma breve cena de uma obra conhecida para uma descrição mais detalhada. Por exemplo, Barrabás (1950), o livro de Pär Lagerkvist (1891 – 1974) apenas biografias de personagens bíblicos mencionados no Novo Testamento. E uma quarta possibilidade é reverter narrativas existentes, como em A Forma da Água (2017), de Guillermo del Toro (1964-), que transforma a criatura de A Criatura da Lagoa Negra (1954) de vilão em herói romântico.

Introdução à Semiótica na Narrativa

Esta abordagem é baseada em quatro ações principais: combinar, simular, estender e reverter. Tais verbos, que funcionam como operadores, estão associados a um conjunto de relações semióticas, que foram iniciadas pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857–1913) e posteriormente ampliadas por outros pesquisadores. Cada relação corresponde a uma forma específica de criação narrativa:

-Sintagmática (conjunção): permite combinar elementos de diferentes narrativas.

-Paradigmático (analogia): explora semelhanças estruturais ou temáticas, permitindo a criação de histórias semelhantes, mas em contextos diferentes.

-Meronímia (detalhes): relaciona histórias por classificação. Pode-se expandir uma cena específica de uma narrativa para um enredo mais detalhado, ou sintetizar uma narrativa mais ampla em algo mais conciso, como na evolução do folclore.

-Antitético (Oposição): Inverte valores ou perspectivas narrativas.

As relações semióticas estão conceitualmente ligadas a figuras de linguagem conhecidas como tropos retóricos, que são objeto de estudo do semioticista Daniel Chandler. Quatro tropos representam significados alinhados às relações semióticas: metonímia (conexão), metáfora (semelhança), sinédoque (detalhe), ironia (contraste). O filósofo e teórico literário Kenneth Burke (1897–1993) classifica-os como tropos mestres, destacando sua relevância particular. Em apoio a esta ideia, Chandler cita a declaração do famoso pesquisador literário Jonathan Culler (1944-) em seu estudo de que esses tropos são “um sistema, na verdade um sistema, pelo qual a mente percebe conceitualmente o mundo na linguagem”. Isto sugere que as relações semióticas relevantes são plenamente consideradas para fins práticos na composição narrativa.

Desenvolvimento do chatgepeto

Os conceitos literários são aproveitados por meio de pesquisas em narratologia computacional – que busca implementar soluções práticas por meio de diretrizes para orientar a estrutura do texto gerado por máquina. No nosso protótipo, recorremos especificamente a relações semióticas para criar novas narrativas a partir de obras existentes, mantendo um sentido de inovação e coesão narrativa. Assim, propagamos resultados com mais fluidez natural.

Nosso projeto é liderado pelo pesquisador Edirlei Soares de Lima, que completou seu doutorado na PUC-Rio e hoje pertence à Breda University of Applied Sciences, na Holanda, e os professores da PUC-Rio Bruno Feijó, Marco Antonio Casanova e eu apresentamos nossos resultados em diversas conferências e trabalhos científicos publicados na revista.

Em um dos nossos objetivos, investimos na criação de padrões em gêneros narrativos como Comédia, Tragédia, Sátira, Romance Épico e Mistério. Construímos modelos para detectar semelhanças entre instâncias de cada gênero e incorporamos esses padrões em diretrizes para garantir consistência temática em textos gerados por máquina. Além disso, criamos recursos que permitem aos usuários interagir com a narrativa influenciando eventos subsequentes

Um dos desafios que enfrentamos foi a criação de ilustrações. Inicialmente, as imagens geradas pela ferramenta de difusão estável frequentemente distorciam elementos descritivos, o que queríamos superar na versão atual do protótipo. E, além do trabalho de manutenção e desenvolvimento do ChatGeppetto, desenvolvemos também o PatternTeller, o PatternTeller, que permite estruturar histórias de acordo com as regras dos gêneros literários selecionados, e o ImageTeller, que cria histórias a partir de imagens fornecidas como entrada.

Experimente e descubra

O ChatGeppetto está disponível gratuitamente para quem deseja explorar uma combinação de obras, subverter clássicos ou criar novas perspectivas. Suas histórias são privadas, então somente você terá acesso ao que criar Embora a ferramenta funcione apenas em inglês no momento – por ser o mais recente resultado de nossas pesquisas científicas realizadas nesse idioma – ela também pode ser utilizada como recurso educacional para melhorar a proficiência nesse idioma e desenvolver habilidades literárias em inglês.

Para compor uma narrativa, o usuário fornece o título de uma ou mais obras de sua preferência, escolhe uma relação literal (combinação, símile, extensão ou contraste) e pode adicionar uma breve descrição sobre a cena ou protagonista desejado.

Um exemplo de história gerada por nossa ferramenta pode ser visto em Holmes e O Hobbit: A Intersecção de Mundos, que combina os filmes Sherlock Holmes (2009) e O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (2012). Nesta narrativa, o herói Sherlock Holmes embarca em uma nova aventura com seu assistente Bilbo Bolseiro. Os resultados podem ser visualizados em formato de texto ou roteiro (storyboard) com descrições verbais.

Vale destacar que o formato das respostas é simples e não pretende substituir a criatividade humana. Na melhor das hipóteses, os roteiros criados são sugestões interessantes que podem ajudar pessoas talentosas a explorar opções para iniciar seu processo de escrita original. Pessoalmente, acredito que a originalidade e a riqueza da imaginação humana estarão sempre um passo à frente das capacidades programadas dos seres artificiais. Em outras palavras: não vejo razão para temer o futuro – assumindo o domínio dos robôs positrônicos – declarou Isaac Asimov com seu gênio criativo muito humano.




a conversa

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Imagem: Conversa

António L. Furtado agradece o apoio do CNPq e da FINEP em sua publicação e sua afiliação exclusiva como Professor de Informática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.



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