A emissão de passagens eletrônicas no transporte público do Rio, historicamente controlada por empresários de ônibus, tornou-se um vespeiro nas últimas décadas cercado por questionamentos e acusações de corrupção, algumas das quais foram levadas à justiça. A gestão deste sistema, que só em 2023 gerou 5,7 mil milhões de reais em tarifas pagas pelos passageiros, voltou aos holofotes na passada quarta-feira, depois de o autarca Eduardo Paes ter acusado os empresários deste sector de se comportarem de forma “mafiosa”.
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O prefeito decidiu criar seu próprio sistema de ingressos logo após assumir seu terceiro mandato. Com US$ 1 bilhão em apoio do município para garantir o pagamento de tarifas gratuitas sem um aumento significativo nas tarifas de ônibus, Paes decidiu que era hora de assumir o controle da arrecadação e distribuição de recursos de passagens. Em 2023, Jay apresentou uma licitação à iniciativa privada, estabelecendo como pré-requisito impedir que os empresários de ônibus participassem da gestão.
Mas como milhares de pessoas também dependem de serviços estatais, como comboios, metropolitanos, ferries e autocarros intermunicipais, a maioria da população continuou a utilizar o RIOCAR, cartão aceite nestes meios de transporte. No entanto, isso é gerenciado pelas empresas de ônibus, cabendo a elas arrecadar a receita e depois dividi-la entre os diferentes modais.
Enquanto isso, a disputa entre a Câmara Municipal e a Riocar incluiu uma guerra de liminares que atrasou a candidatura de Gay em pelo menos um ano. O edital foi questionado por impedir explicitamente a participação da empresa de passagens. Em nota, além de ressaltar que opera o sistema de forma legal, a Riocard afirma que nunca tentou suspender o processo de concorrência do novo cartão. Mas “com vista a alcançar o interesse público, procurou apenas o direito legítimo de participar no litígio, tal como reconhecido pelos tribunais”.
Mas depois de concluída esta etapa e com a assinatura de um contrato para implementação de Jay, mais obstáculos apareceram. Um dos compromissos da CBD Bilhete Digital, que venceu o concurso da Câmara Municipal, foi disponibilizar ferramentas de verificação para poder ativar Jaé no transporte municipal. Essa tecnologia permite o controle em tempo real da receita e do número de passageiros de cada linha, o que não acontece com o RIOCAR, segundo o ministro dos Transportes do município, Maina Celedonio. Como os consórcios que operam os ônibus alegaram que o custo de instalação não estava previsto nos contratos de concessão, a prefeitura decidiu pagar R$ 8,9 milhões ao Banco Nacional de Desenvolvimento para instalar o equipamento em todos os veículos, adiando ainda mais o processo.
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Esta semana, para reiterar seus argumentos de que há falta de transparência na gestão da Riocar, o prefeito afirmou que está “aproveitando a possibilidade de manter o galinheiro fora das mãos dos donos das empresas de ônibus, as Raposas”. Do outro lado do cabo de guerra, a empresa confirma, em memorando, que segue a legislação vigente e as decisões da autoridade doadora, e que atua de forma transparente na publicação de suas informações operacionais e financeiras.
As declarações do Pais surgiram na passada quarta-feira, quando anunciou o adiamento da utilização exclusiva do Guyet em situações municipais de fevereiro para julho. Além do baixo índice de adoção do novo cartão pela população (menos de 4% dos passageiros), o principal obstáculo para a decisão foi a falta de integração do sistema ao meio de transporte concedido pelo governo do Rio de Janeiro , como trens, balsas de metrô e linhas de ônibus intermunicipais. Restrições que afetariam, entre outras coisas, os usuários do Bilhete Único Intermunicipal (BUI), benefício social concedido pelo Estado para obter redução de preços.
Ao longo dos anos, o Ministério Público do Rio e a Defensoria Pública tentaram retirar a administração do bilhete único do estado da Vitransport e do Riocar. Mas, sem sucesso, uma ação judicial de 2017 argumentou que a administração era inconstitucional, porque se tratava de um serviço público que não poderia ser prestado gratuitamente a entidades que operam no setor dos transportes.
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No mesmo ano, já recaíam dúvidas sobre os dados gerados pela emissão de passagens. A Riocar esteve no centro das denúncias da Operação Cádia Velha, braço da Lava Jato no Rio. Na época, 19 pessoas, entre parlamentares e proprietários de empresas de ônibus, foram acusadas de pagar cerca de R$ 270 milhões em propina a funcionários do setor público para obter decisões favoráveis às empresas, como redução de impostos. Segundo a investigação, parte da comissão a que Ricardo tinha direito pela gestão dos bilhetes (5% da receita) foi manipulada para compensar os envolvidos.
Porém, em julho de 2022, após outras operações oriundas da Lava Jato, o Tribunal Regional Federal do Rio (TRF) anulou todas as provas derivadas da investigação por falhas processuais. O TRF percebeu que o juiz Marcelo Brittas não tinha competência para julgar o caso, que deveria ter sido tratado na Justiça estadual. Sobre a Lava Jato, a Fetranspor indica que naquele momento prestou todos os esclarecimentos necessários.
As acusações de irregularidades na gestão do bilhete único foram precedidas de outra polêmica. Em maio do ano passado, após uma série de liminares, o Tribunal de Justiça do Rio proibiu a Riocar de reter o valor dos bilhetes remanescentes deixados pelos usuários no cartão. Na altura, a empresa comprometeu-se a devolver o dinheiro depois de concluído e julgado o processo. Contudo, a RIOCAR afirmou em nota que “continuará a analisar novos recursos interpostos ao Tribunal de Justiça em relação à pena imposta”.
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O MPRJ e a Defensoria Pública ajuizaram ação contra essa destinação de recursos. A lei que criou o bilhete único entre municípios omitiu quem receberia os créditos vencidos após um ano. O prazo gerou milhões em excedentes que não foram devolvidos aos utilizadores e é objecto de uma queda de braço entre o Estado e as empresas.
O impasse se cristalizou em 2014, em revisão do Conselho Fiscal do Estado (TCE-RJ) do modelo BUI. Graças à Justiça, RIOCAR e Vitranspor informaram que em cinco anos (de 2009 a 2014), o total de excedentes retidos foi de aproximadamente R$ 90 milhões.